Notícias

Inicial 9 Notícia 9 ARTIGO – Há sempre algo novo no estilo de cada autor

ARTIGO – Há sempre algo novo no estilo de cada autor


O que há em um texto de Alencar que o diferencia de um texto de Machado de Assis ou de Guimarães Rosa? Cada autor, ser complexo, vivendo em um contexto sócio-histórico, com sua cultura e personalidade, produz um texto que identifica sua ideologia, sua formação social da mente. Entram também aí o gosto particular, senso estético e atitudes de cada um. Por isso existe o estilo de época (contextual) e o individual. Ambos se cruzam de forma peculiar e indissociável.




Enquanto o romântico casa o sentimentalismo com a natureza, banha, com seu olhar afetivo, todo o cenário, o realista é descritivo, detalhista, objetivo na localização dos elementos de seus enredos.




O modernista, em geral, conta fotos, cria suspense, denuncia problemas, mas o forte é o relato da realidade, parecendo com um registro histórico-social de época. Um exemplo disso são as obras de José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo. Clarice Lispector volta-se ao intimismo, ao psicológico. Guimarães Rosa cria neologismos, apresenta os jagunços no sertão brasileiro, mas esse homem e esse sertão são universalizados, transcendem sua vida particular, pelas reflexões que compõem seu pensamento. Nos contos de Rosa , o que não se compreende pela razão, os personagens resolvem pelo amor, que supera a lógica. Esse autor grandioso tem algo em comum com o poeta Manoel de Barros. Talvez o ambiente dos contos, talvez os voos alçados a partir deles, talvez o trabalho com a linguagem.




Manoel de Barros, poeta contemporâneo, escreve em Memórias Inventadas – A Infância, de forma muito especial, diferente do que se conhece. Seus pequenos contos em prosa poética nos ajudam a ver o mundo com os olhos de uma criança do interior, muito inteligente e que ama as palavras. Na abertura do livro, vem o alerta: “Tudo o que não invento é falso.”




Em linguagem coloquial e com frases curtas, vai da descrição de objetos à personificação e à metáfora. Textos, em geral, na primeira pessoa. Ou começam em terceira pessoa, imparcial e distante, até passar à primeira pessoa, bem subjetiva.




No conto Escova, inicia falando de um homem escovando ossos (arqueólogo) e pensa que gostaria de escovar palavras (escritor). E as escova muito bem. Frases curtas, linguagem coloquial. Vai o autor da descrição dos objetos à personificação e à metáfora. Frases curtas, muito paralelismo e repetição, como refrão, organizam a coerência do texto. E há sempre algo mais profundo, como reflexão que perpassa os textos, aparentemente simples. O sal to de qualidade reflexiva se dá quando afirma : ”Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. […] Eu queria escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos.”

No conto Obrar, diz o personagem: “Obrar seria o mesmo que cacarar. Sei que o verbo se aplica a passarinhos. Os passarinhos cacaram nas folhas nos postes nas pedras do rio nas casas. Eu só obrei no pé de roseira da minha avó. Mas ela não ralhou nem.“ Mais adiante completa: “Daí que também a vó me ensinou a não desprezar as coisas desprezíveis. E nem os seres desprezados.”




Em Desobjeto, as frases vão uma sugerindo a outra, como um encadeamento, com muitas sentenças parecidas, isto é, paralelas, e passando da visão do objeto em si à personificação dele. A sequência linear da narrativa é muito comum entre crianças pequenas.




“O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. […] Camadas de areia e formigas roeram seu organismo. […] O fato é que o pente perdera sua personalidade. […] Eu acho que as árvores colaboravam na solidão daquele pente.”




Para falar da vocação de poeta, diz: “Hoje eu completo oitenta e cinco anos. O poeta nasceu de treze. “ Percebe-se que ora o narrador se distancia, ora se aproxima de si mesmo. […] “…eu não queria ser doutor. Nem doutor de curar nem doutor de fazer casa nem doutor de medir terras. Que eu queria era ser fraseador.“




Não é possível esquecer o estilo de Manoel de Barros. Ele trabalha as palavras com muito gosto e simplicidade, cria termos: ”Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam.” E não abandona o ponto de vista de um menino do interior, com o modo de pensar bem interiorano, expresso nas palavras selecionadas. Doutor, por exemplo, para a pessoa simples, é toda pessoa que fez curso superior.




O autor encerra seu livro com o conto Sobre Sucatas, que assim conclui: ”Peço desculpas por cometer essa verdade.”, referindo-se à afirmação anterior: “Agora eu penso uma garça branca do brejo ser mais linda que uma nave espacial.”




Essa obra é um lindo presente. As folhas são separadas por contos, ilustrados por Martha Barros, filha do autor. O livro vem em uma caixinha, com fita, como presente. Na verdade, ler, reler, curiosear esses contos dão a sensação de lidar com um presente sempre novo, que não perde o brilho, pelo contrário, brilha cada vez mais. É um presente de Manoel de Barros ao leitor, no seu jeitinho, conforme sua índole.


* Mestre em Lingüística Aplicada, membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), pmembro da Academia de Cultura Precursora da Expressão (Acupre), professora de Língua e Literatura nos cursos  de Secretariado Executivo e Comunicação Social, e presidente do Conselho Editorial da Uniuv. Esclareça suas dúvidas. Mande sugestões para esta coluna pelo e-mail prof.fahena@uniuv.edu.br

por: UNIUV

Shares

0 comentários

Categorias

Arquivo