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ARTIGO – O fascínio pela fotografia


Roland Barthes era tão fascinado por  fotografias, que as estudava com atenção e curiosidade, buscando saber, por exemplo: quando elas lhe chamavam especial atenção; em que diferia a percepção das fotos, segundo quem estivesse produzindo-as, ou apreciando-as; e a relação entre a foto e o referente (pessoa ou objeto fotografado).


Esse desejo intenso de conhecê-las começou quando encontrara uma foto do irmão mais novo de Napoleão, Jerome. Pensara, então: “Vejo os olhos que viram o Imperador.” Daí em diante, quis descobrir o que é uma foto em si, como se distinguia de outras imagens. A fenomenologia veio em seu auxílio, quando percebeu que o fato fotografado só acontecia uma vez. Logo, a foto era  o “particular absoluto, a contingência soberana”.


A questão de a foto trazer sempre consigo seu referente, sendo impossível separá-la da pessoa ou coisa fotografada, levou-o a estudos concernentes à Semiótica, com que contribuiu. Diz Barthes que a foto é invisível, pois o referente adere a ela.


Barthes escreve A Câmara Clara, como um cientista desarmado, em uma linguagem clara, sem terminologia especializada. Daí que essa obra mostra o espírito inquiridor, as emoções, as dúvidas e medos de Barthes. Ele se mostra como pessoa aberta ao desconhecido, tratando daquilo que aprecia, como  um jardineiro que  falasse de flores. Mas quer ir ao âmago, à essência do seu objeto de estudo.


Comenta que perfeitas são as fotos em que o fotografado não fez pose, foi pego sem perceber,


sem  querer mostrar algo de sua identidade interior. Resulta que, ao virmos nossa foto no papel, sempre sentimos um leve mal-estar, justamente porque ela é parada, um momento fixado, sem o transformar-se e o mover-se que nos caracteriza.


Observando melhor as fotos,  verificou que o atraíam aquelas que tinham dois planos, ou uma dualidade, como naquela em que via uns soldados, e mais longe, passando, duas freiras, elementos que não pertenciam ao mesmo mundo.


Barthes chama à cena ampla de studium, que ele observa, e dele salta  algo que vem transpassá-lo, um elemento perturbador, o punctum (ponto). Dessas fotos ele gosta e não se cansa de revê-las. Havia fotos pelas quais ele tinha interesse geral, cultural, sociológico, mas sem o punctum.  Dizia: “Agradam-me ou desagradam-me, sem me tocar; são unicamente investidas de studium”. Identificar o studium é chegar às intenções do fotógrafo, entrar em sintonia com elas, é um acordo entre os criadores e os consumidores. Assim, reconhecem-se as funções de uma foto: informar, representar, surpreender, dar significação, provocar desejo. E o espectador reconhece-as, com mais ou menos prazer.


Para Barthes, as fotos inesperadas, fotos-choque, revelam o escondido e a surpresa, em uma cena rápida, mas decisiva. As fotos são  surpreendentes,  a partir do momento em que não se sabe por que foram  tiradas, mas que fazem pensar. São as mais interessantes, têm um efeito haicai (com a poética simples, mas surpreendente, e que leva a refletir).


 Para esclarecer melhor a noção de punctum, Barthes compara a foto pornográfica com a foto erótica. Esta última, sim, possui o punctum, que leva o espectador para fora do que a foto dá a ver. Na foto, conclui o autor, há uma realidade, o que foi fotografado, e do passado. Assim, a essência da fotografia é “isto-foi”. Buscando sua natureza, cheio de encantamento, descobre que a luz é que liga a coisa fotografada a quem olha a foto; a mesma luz que tocou o corpo da pessoa que amada, no caso, e que o emociona muito.


A foto confirma que o que vemos realmente existiu, não é recordação nem imaginação;  é o real no estado passado. É o poder de autenticação sobrepondo-se ao da representação.


Tratando de foto de pessoa amada, ela pode manifestar o que Barthes chama de ar, ar de bondade, de leveza, de alegria… O ar exprime o sujeito que amamos. É por ele que o fotógrafo dá vida à foto. Essas fotos amadas fundem o paradoxal: “isto foi” (da realidade) e “isto é“ (da verdade).


Câmara Clara é uma leitura superagradável, indicada a quem produz ou aprecia fotos, a estudantes de Comunicação Social e a acadêmicos, em geral, por ser um exemplo de dedicação ao conhecimento aprofundado de algo. É também uma “apaixonada e dramática meditação sobre a vida e a morte.”


Desse mesmo autor há  muito importantes obras, como:  O  Prazer do Texto, Roland Barthes por Roland Barthes, e  Elementos de Semiologia.  


Carlos Drummond de Andrade fez um poema, Os Mortos de Sobrecasaca, em que fala de um álbum de fotos de família, texto que dialoga com Câmara Clara de Barthes:


Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,/ alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,/ em que todos se debruçavam/ na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.


Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes/ e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos./ Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava / que  rebentava daquelas páginas.


Em Retrato de Família, Drummond  trata do ar de família: “Ficaram traços de família/ perdidos no jeito dos corpos./ Bastante para sugerir / que um corpo é cheio de surpresas.”


A fotografia, de fato, nos faz reviver situações, desperta a nostalgia e a saudade de nós mesmos e dos outros com quem convivemos, num passado distante,  alguns já na eternidade, e nós também, passando no tempo, o que a foto vem a comprovar.


 


* Mestre em Lingüística Aplicada, membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi) e da Academia de Cultura Precursora da Expressão (Acupre), professora de Língua Portuguesa, no Colégio Técnico de União da Vitória (Coltec), e nos cursos de Secretariado Executivo e Comunicação Social, e presidente do Conselho Editorial da Uniuv. Esclareça suas dúvidas. Mande sugestões para esta coluna pelo e-mail prof.fahena@uniuv.edu.br

por: UNIUV

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