Notícias

Inicial 9 Notícia 9 ARTIGO – Apagar as certezas – Como?

ARTIGO – Apagar as certezas – Como?


Gonçalo M. Tavares, escritor nascido em Angola, em 1970, é um autor premiado, considerado revelação da literatura contemporânea. Tem obras em prosa e em verso, publicadas em diversos países como Espanha, Índia, Itália, Suécia, Hungria, Holanda e Bélgica.


Aqui no Brasil publicou Jerusalém, pela Companhia das Letras e o livro de Poemas 1, pela Bertrand Brasil. Pela Casa da Palavra lançou, em 2005, O homem ou é tonto ou é mulher, primeira obra da coleção Palavra Mundo. Possui outra coleção, O Bairro, aberta com O senhor Brecht. A obra em apreço, O senhor Juarroz, pertence à coleção O Bairro.


O personagem senhor Juarroz tem como mania pensar profundamente a respeito de coisas rotineiras, esquecendo-se de ouvir os outros, mesmo se o empurram, tentando sintonizá-lo com o mundo exterior. Daí imaginarem que ele é surdo, desastrado ou covarde. Nada disso, está sempre muito ocupado com suas reflexões. Quase não sai de casa, pois, para viajar, teria que levar mala com pertences, o que seria levar parte de sua casa, e não estaria livre para observar e pensar. Sua viagem é mesmo para seu mundo interior.


Tudo que atrapalha seu pensamento – ele afasta. Assim, em seu escritório, tem uma gaveta em que não deixa a esposa colocar nada, pois quer perceber o que é o vazio, bem vazio. E cria teorias lógico-matemáticas, explicando os saltos, as quedas, a invenção de novos eletrodomésticos, que livrem o homem de seu trabalho, como o de subir no telhado para consertá-lo.


Costuma dar outros nomes às coisas. Depois que dorme, levanta todo embaralhado, derrubando os objetos, cujos nomes já nem sabe mais. Pensou que, para darmos valor à escuridão, deveria haver uma tomada, para que ela surgisse como a luz. Bela alegoria, seria um modo de ver melhor o que está escondido em nosso mundo interior. O exterior todo mundo vê, e o outro lado?


Uma prova de que ficara horas pensando é que sua xícara de café estava  vazia, logo o tomara, mas que provas físicas possui para demonstrar que estivera pensando, e que não estivera à toa, como lhe dizia a esposa?


Senhor Juarroz tinha uma biblioteca e gostava de organizá-la com códigos secretos. Mas as pessoas freqüentavam-na pelo simples prazer de descobrir o segredo da catalogação. Foi inventando lógicas cada vez mais complexas, porém, com o tempo, os matemáticos chegavam à descoberta do sistema. Então passou à mulher o trabalho de arrumar a biblioteca do modo que bem entendesse. E nunca mais ninguém descobriu o código.


Possuía teorias sobre a música e o canto, sobre a alfabetização, sobre os objetos no espaço e os intervalos entre eles. Tudo para ele dava o que pensar. Nos mercados ia para ver os produtos, não para comprá-los. Queria inventar um relógio cujo ponteiro maior mostrasse o local, num mapa. E o pequeno indicasse onde estava Deus. Também pensou em um Deus que aparecesse a toda hora, tocando a campainha da casa. Essa ideia o perturbou.


A obra termina com o senhor Juarroz com vista, ouvido e narinas tampados, com venda de pano, molinha, e algodão, para pensar à vontade, sem ser perturbado. E murmurava: “Como gosto do mundo!”


A obra toda é um convite à leitura de mundo, ao silêncio, evitando as certezas, olhando com os olhos do espírito. A história de Juarroz e sua esposa, um tanto engraçada, por vezes, mostra a nós mesmos como somos diferentes e excêntricos, com atitudes muitas vezes inexplicáveis. É um apelo bem-humorado à filosofia. Pois, como diz Juarroz: “Para darmos a devida importância ao escuro, tanto pelo menos, como damos à claridade – deveria ser necessário o ato de ligar a escuridão.”


São 28 textos curtos, narrativas em linguagem simples e clara. O que se destacam são os lances curiosos de pensamento diferente, capazes de abalar nossas certezas. Acompanhar seu pensamento é já pensar de outro modo, rir de suas sacadas inteligentes, e valorizar, como ele, a introspecção, tão pouco buscada pelo homem moderno.


 


* Mestre em Linguística Aplicada, membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi) e da Academia de Cultura Precursora da Expressão (Acupre), professora de Língua Portuguesa, no Colégio Técnico de União da Vitória (Coltec), e nos cursos de Secretariado Executivo e Comunicação Social, e presidente do Conselho Editorial da Uniuv. Esclareça suas dúvidas. Mande sugestões para esta coluna pelo e-mail prof.fahena@uniuv.edu.br 

por: UNIUV

Shares

0 comentários

Categorias

Arquivo