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ARTIGO – Sem palavras…

 

Trabalho de ourives: lima, esmerilha, e da pedra bruta surge a jóia rara, diz Bilac. Escrever é como catar feijão, “jogam-se os grãos na água do alguidar e as palavras, na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar” (J. Cabral de Melo Neto).

Nordestino como Cabral, Graciliano Ramos compara escrever a lavar roupa à beira do rio, como em Alagoas, em que há várias etapas no processo: molhar, passar sabão, pôr ao sol, bater na pedra limpa, observar bem, colocar anil na água, enxaguar a roupa, torcer, torcer, só depois colocá-la na corda ou varal. Para Drummond, há uma luta entre escritor e palavras, que o desafiam, ora se apresentam, ora se escondem: ”se me desafias, aceito o combate.” Manhosas como as mulheres, há todo um jogo de sedução.

Manoel de Barros brinca com as palavras, transforma suas categorias, conjuga os substantivos, coloca-lhes outros atributos. “No quintal, a gente gostava de brincar com palavras mais do que de bicicleta.” Enquanto isso, Guimarães Rosa prefere inventar palavras, bem interioranas “…o ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisas, acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendadas.” Há entre Manoel de Barros e Guimarães Rosa alguma forte semelhança, tanto pelo gosto pelas coisas simples, como pela criatividade em sua expressão. Complexa só a metafísica que expressam.

Posso comparar escrever a fazer tricô ou crochê. Todo ponto é único, mas se liga ao conjunto, seguindo o plano do artesão – uma referência à coesão e à coerência textuais. Bilac quer o texto bem revisitado e revisado, G. Ramos alerta para o zelo na busca da perfeição. E Drummond mostra a dificuldade na seleção de vocábulos adequados. É também o que quer G. Rosa ao criar seus termos. Helena Kolody reflete sobre a condição humana, mergulhado em palavras, o ser social, que só se livrará delas após sua morte, diante do Criador. “Aluviões de palavras corroem as cordilheiras. Densas nuvens de palavras limitam os horizontes. Os batalhões de palavras concentram agressões. Há loucura de palavras por entre as pedras de inumeráveis caminhos.” O mais importante ela prevê para depois que passarem as palavras: “brilhará, límpido e eterno, o Verbo esquecido.”

Clarice Lispector, em A Hora da Estrela, confirma: “Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados. (…) O que me proponho contar parece fácil e à mão de todos. Mas a sua elaboração é muito difícil.” Essa é a sensação que todos temos: pensar, falar, imaginar é mais fácil do que expressar por escrito, com clareza e emoção; sempre parece que falta algo, para que a vida esteja junto às palavras.Que elas se encarnem.

Quanto mais se lê, mais recursos se tem, e é como um círculo virtuoso: ler o mundo, decifrá-lo e reconstruí-lo é o ideal para o desenvolvimento, não só de textos, mas da própria vida. Ler o mundo ao natural, observando-o, e ler o mundo por meio dos livros, cruzando informações e reflexões de várias áreas, leituras dos mais diversos assuntos. Só vamos entender o mundo que nos cerca se tivermos lido, antes, muitas obras, leituras anteriormente feitas por outros pensadores. Daí surge a nossa leitura, não ingênua, mas bem ponderada.



*Mestre em Lingüística Aplicada, membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), professora de Língua e Literatura nos cursos  de Secretariado Executivo e Comunicação Social, e presidente do Conselho Editorial da Uniuv.

Esclareça suas dúvidas. Mande sugestões para esta coluna pelo e-mail prof.fahena@uniuv.edu.br

Esse texto foi originalmente publicado na coluna Questões de Estilo, da edição impressa nº. 2.021, e na edição on-line nº. 521 do Jornal Caiçara, de 14 de novembro de 2008.

por: UNIUV

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